A Vantagem Viral do Radicalismo
As ideias radicais se espalham mais e melhor pelo espaço de discussão pública. Suas versões mais moderadas com frequência não são nem mesmo conhecidas. Se isso for um fato, é uma limitação humana que deve ser levada em conta por todas as pessoas que se preocupam com a educação do público. Se estas não se interessarem, o conhecimento desse fato será abusado por aqueles mais interessados em usá-lo de forma consciente para fins mais questionáveis.
O que é radicalismo, e o que é moderação? Não parece ser o caso que sempre o primeiro é igual à irracionalidade, e sempre a última é indicativo de ter boas justificações. Mas há correlações aí. Radicais costumam ser irracionais, moderados costumam ter virtudes epistêmicas como o reconhecimento da própria falibilidade. A pessoa de postura radical não costuma querer ouvir nuances, detalhes, exceções às suas generalizações, mesmo se forem exceções reais, importantes e, no esquema maior das coisas, a maioria dos casos reais.
Vamos a um exemplo. Já fui vegetariano por cerca de um ano, e, antes, interrompi o consumo de carne vermelha por quatro anos. Ainda acho vegetarianismo correto, mas não pratico: não aspiro a ser santo e brinco que é o "meu catolicismo" (posso indicar bons argumentos para defender a indesejabilidade da santidade moral, mas, claro, não posso usar essa desculpa com frequência, e considero voltar a praticar). O vegetarianismo é uma posição moderada a se adotar quando se pensa que os animais merecem ser tratados como mais moralmente importantes que objetos inanimados. Já o veganismo é mais radical: alega que os usos de produtos de origem animal que o vegetariano faz são irremediavelmente imorais, ou no mínimo muito difíceis de serem moralmente neutros ou positivos. (Confira aqui meus argumentos contra o veganismo.) Mas, como em outros assuntos, é o veganismo, a versão radical, que tem vantagem nas redes, não o vegetarianismo, a versão moderada. Por quê?
1 - A Vantagem Computacional
As ideias radicais são mais prontamente simplificáveis em frases curtas e slogans, em suma, em propaganda. Assim, são mais prontamente compreensíveis por qualquer cérebro humano e mais facilmente armazenáveis em memórias humanas. Quando falamos em vantagem viral, a analogia às vezes é mais que analogia: não é à toa que os vírus são as entidades biológicas autorreplicantes mais simples que existem.
2 - O Insulto ao Senso Comum
Estamos em um momento histórico em que conhecimento é entendido como algo antagônico ao senso comum. No mínimo, como algo não disponível nele. Isso leva a uma visão pejorativa do senso comum que ignora que ele é o resultado de milhões de mentes mais e menos independentes trabalhando juntas por centenas, às vezes milhares de anos. Temos, então, ironicamente, um preconceito popular (ao menos popular entre elites) contra conhecimentos populares. Estou traduzindo o livro Defendendo a Ciência — Dentro do Razoável, da filósofa Susan Haack, para ajudar a combater esse preconceito. O resultado deste preconceito é que, como o senso comum é visto como pura ignorância, ideias que o insultem de graça, mesmo se patentemente falsas, ganham já uma aura de respeitabilidade. E as ideias radicais insultam o senso comum.
3 - O Autoelogio dos "Especialistas"
Como acontece com adeptos de hipóteses conspiratórias que explicam tudo sem explicar nada, o adepto de ideias radicais se sente importante por saber uma coisa que poucas pessoas "sabem". Isso se articula com o aspecto anterior de falta de respeito pelo senso comum. Não só o "povo ignaro" está errado por não ter pensado na ideia radical antes, como também está errado por não aceitar a ideia radical agora (não ocorre ao radical que talvez o senso comum possa dar base para argumentos e evidências da experiência bons o suficiente para rejeitá-la). O radical se vê, autoelogiosamente, como um especialista, um guardião de um setor do conhecimento humano. Isso culmina numa vantagem viral, pois ideias que são uma forma indireta de fazer autoelogio sempre serão mais populares que ideias que são neutras ou detrimentais para a autoavaliação moral de seus defensores.
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Com frequência, ideias radicais são radicalmente implausíveis. E por isso mesmo têm vantagens de espalhamento entre muitas mentes, como os vírus entre muitos organismos. A Vantagem Viral do Radicalismo pode ser observada em qualquer assunto. Tomemos o espectro de ideias pró-liberdade na política, por exemplo. Hoje é mais provável que brasileiros saibam quem é um ativista anarcocapitalista com problemas psiquiátricos do que quem foi Friedrich Hayek, ou, no mínimo, que leiam mais do primeiro do que do segundo.
Claro, o que se chama erroneamente de moderação pode se revelar complacência e covardia intelectual. O que se chama erroneamente de radicalismo pode se revelar a virtude da resiliência em defender uma verdade rejeitada por muitos (os próprios radicais insistirão nessa interpretação do próprio radicalismo). Com frequência, ideias verdadeiras, porém inconvenientes e impopulares, são dispensadas como radicais por pessoas que não têm argumentos para rebatê-las, ou que teriam algo a perder caso fossem disseminadas; e a defesa de ideias falsas, porém populares, é tratada como virtuosa, moderada e desejável.
Mesmo assim, a vantagem viral do radicalismo continua sendo um fenômeno digno de atenção, independente dessas qualificações.