Suicídio e Liberdade
As liberdades individuais são importantes especialmente no contexto social: de dentro para fora, em como o indivíduo se comporta para com a sociedade, e de fora para dentro, em como a sociedade interfere na vida dele. As preocupações liberais estão em maximizar o que indivíduo pode fazer em interesse próprio e minimizar as interferências sociais sobre ele que são autoritárias.
São nesses níveis que o suicídio pode ser tratado à luz das liberdades. De dentro para fora: as pessoas são livres para tirar a própria vida? De fora para dentro: evitar um suicídio é uma interferência autoritária sobre a liberdade de outrem?
Acho que uma resposta dependerá do quanto a decisão do suicídio pode ser racional. Há exemplos de suicídios assistidos e eutanásia que têm toda aparência de decisão racional: a pessoa decide dar um fim pois não fazê-lo dá em uma morte mais lenta e mais sofrida. Dessa forma, num simples cálculo de consequências, o indivíduo está justificado em tirar a própria vida (tem boas razões para isso).
Seria racional um suicídio feito porque alguém julga que não tem "perspectiva de vida" (não vê sentido na própria vida) nem afetará negativamente outras pessoas, mesmo sem estar terminalmente doente? Parece que a resposta é sim, mas que esse tipo de exemplo seria raríssimo, pois não é tão difícil encontrar uma forma de ter uma vida produtiva e com propósito. Quem tem dois braços e duas pernas pode botar isso à prova ajudando os deficientes.
O que esse último exemplo hipotético sugere é que com frequência as pessoas que dizem que sua vida não vale nada e deve ser eliminada estão enganadas. Neste caso, estão sob alguma influência que explica o seu erro de avaliação, como a depressão. Assim, um bombeiro está plenamente justificado em vigorosamente evitar que pulem de uma janela: a probabilidade de estarem erradas, e, mais importantemente, a probabilidade de estarem ferindo a alguém (diretamente -- ex.: familiares -- e indiretamente -- ex.: contágio social de suicídio), são mais altas que a probabilidade de estarem certas.
Esse raciocínio exige um abandono de todo tipo de relativismo. É incompatível com um relativismo moral (“se ela diz que precisa morrer isso é correto para ela”) e um relativismo epistêmico (“se ela diz que sua vida não vale nada, essa é a verdade dela”). A aceitação ou rejeição racional da decisão de um suicida (fora dos casos de eutanásia de pacientes terminais) depende da possibilidade de julgar se ele está objetivamente certo tanto no campo da ética quanto no campo do conhecimento. Sendo assim, a moda dos relativismos, ensinada hoje nas universidades e em parte da cultura popular, é uma moda muito mais perigosa do que parece à primeira vista.
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P.S.: Esse texto resulta de uma discussão do assunto no Fórum Livres. Não há motivo para preocupação com o autor. A pintura é "A Morte de Chatterton" (1856), de Henry Wallis (1830-1916).