Em quatro séculos, status social na Inglaterra pouco mudou e lembra um padrão genético, demonstra estudo
Gregory Clark publicou na PNAS um estudo intrigante que derruba esperanças de engenharia social
Desde o ano 1600, no curso de quatro séculos, muita coisa aconteceu e mudou na Inglaterra. Em 1603, o rei Jaime I uniu a coroa com a Escócia. Todo dia 5 de novembro, os céus do país são iluminados por fogos. É uma comemoração do fracasso do plano de Guy Fawkes e comparsas católicos para explodir o parlamento em 1605. Em 1607 veio a primeira colônia na América, um século depois foi criado o Reino Unido. Foram cinco guerras, 23 monarcas, uma revolução industrial e científica, um império global que ascendeu e se dissolveu.
Mas uma coisa pouco mudou na sociedade inglesa: o status social. As pessoas tenderam a ter posições sociais em uma hierarquia similar, por quase meio milênio. A estabilidade do fenômeno leva alguns a propor que ele pode ter uma base genética. É o que propõe o historiador econômico Gregory Clark, afiliado a três instituições acadêmicas (Universidade do Sul da Dinamarca, Universidade da Califórnia e London School of Economics) em um artigo publicado em junho na influente revista PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences, associada à Academia Nacional de Ciências dos EUA).
Clark usou uma linhagem de 422.374 pessoas inglesas no período de 422 anos até 2022 e inferiu o status social através de medidas como o valor da propriedade das famílias e sua inserção em profissões. Ele encontrou “correlações em posições sociais entre parentes com distância até de primos de quarto grau”. Ingleses que são primos em quarto grau hoje, cujo ancestral mais recente viveu há cinco gerações, “mostram correlações de status significativas”: um tende a ter uma posição social parecida com a do outro, mais do que com pessoas não aparentadas.
O que se esperaria é que as vastas mudanças sociais na Inglaterra nesse tempo “tivessem aumentado a mobilidade social”, comenta o autor. Em vez disso, os ingleses da atualidade têm status tão similar aos seus parentes quanto os ingleses da era pré-industrial. Isso só é possível se houver uma forte tendência das pessoas a serem seletivas em casamentos. De fato, na Inglaterra a aparência é um sinal forte de status social.
Cauteloso, o especialista afirma que “não há prova aqui de que a transmissão genética aditiva”, ou seja, aquela em que as características são baseadas na soma da contribuição de vários genes, “causa o status social”. Mas está claro que, quaisquer que sejam os processos sociais por trás do status, os resultados observados “imitam os efeitos genéticos aditivos”. E mais: os estudos que, diferentemente de Clark, usaram diretamente a relação entre variações do DNA e sucesso escolar confirmam o padrão descoberto por ele de preferências de casamento.
Mesmo se o status social “for determinado principalmente pela herança genética”, reflete o cientista, “isso não implica, por si só, que as intervenções sociais não podem mudar as posições sociais”. Para ele, o papel da genética é em parte direto, mas também indireto, pois a genética dos pais pode criar bons ambientes que favorecem resultados sociais melhores para os filhos. Isso é conhecido como “correlação gene-ambiente”. Os castores, por exemplo, além de herdarem os genes dos pais, também herdam os diques construídos. E os diques são ambientes que selecionam a genética dos pais, fazendo uma troca mútua de causalidade com o passar das gerações. Algo similar pode acontecer no caso da estratificação das sociedades humanas.
Hereditariedade do status social é conclusão escandalosa para muitos cientistas sociais
“Os filósofos somente interpretaram o mundo até agora, de várias formas”, escreveu Karl Marx em 1845. “O objetivo é mudá-lo”. Se for verdade que as pessoas se organizam espontaneamente em classes não por causa de planos maquiavélicos de burgueses para oprimir proletários ou conspirações de controle dos “meios de produção”, mas por razões complexas que incluem a genética — distribuída em propensões a diferentes habilidades e interesses, por exemplo, ou em variações da beleza física, da força física, saúde, personalidade etc., o projeto de ativismo acadêmico do fundador do socialismo “científico” cai por terra.
A interpretação mais politicamente correta é inverter a relação: a continuidade do status social por quatro séculos na Inglaterra se parece tanto com um padrão genético porque faltaram intervenções que quebrassem o padrão cultural de preferência de casamento. A genética resulta do status, e não o contrário.
A interpretação do estudo reflete a grande divisão que o economista e filósofo americano Thomas Sowell fez das orientações políticas: para ele, a real grande dicotomia da política se baseia em como a natureza humana é enxergada: a “visão trágica” vê os seres humanos como limitados, irremediavelmente falhos e egoístas, não há soluções perfeitas para seu comportamento em grupo, somente boas ideias sociais que vêm acompanhadas de compensações, consequências imprevisíveis e muitas vezes indesejadas. Baixa mobilidade social do ponto de vista de parentesco é uma parte dessa imperfeição e não pode ser eliminada, não sem consequências potencialmente desastrosas.
A outra visão é a irrestrita, ou “visão dos ungidos”: vê os seres humanos como maleáveis em sua natureza, talvez até destituídos de uma natureza, de modo que os problemas sociais podem ser solucionados pela aplicação de ideias e políticas elaboradas por intelectuais moralmente superiores (os “ungidos”). Assim, a falta de mobilidade social da Inglaterra não é apenas um acidente da natureza dos ingleses, talvez parte dela, mas um crime contra a igualdade que poderá ser solucionado no futuro. Resta explicar por que nada, em quatro séculos, da implantação da educação obrigatória às reformas estatizantes ou desestatizantes, foi capaz de mudar o padrão.
Autor do estudo há décadas resiste a críticas de quem confunde estar ofendido com ter razão
Gregory Clark tenta evitar essas polêmicas, afastando especialmente acusações de que acredita em determinismo genético de capacidades economicamente relevantes. Em 2014, ele fez uma análise similar da sociedade americana, com base em sobrenomes, no livro “The Son Also Rises” (em tradução livre, “O filho também sobe” — um trocadilho com o título de um romance de Ernest Hemingway). Na época, ele respondeu a uma resenha negativa de Richard V. Reeves no site da organização sem fins lucrativos Brookings Instituion.
“As elites e as subclasses podem ter origem de qualquer população pela migração seletiva, conversão religiosa seletiva ou afiliação seletiva — processos que filtram as pessoas do topo à base da distribuição de capacidades”, explicou o economista. Se as elites e as subclasses têm origens diferentes, elas serão geneticamente diferentes da população em geral e “muitas gerações serão necessárias para essas diferenças se dissolverem”.
A mensagem de Clark: “este não é um fato ‘feio’. Este não é um fato ‘bonito’. É apenas um fato. Esse fato ajuda a explicar por que é tão difícil para sociedades que usam políticas sociais como alavancas eliminar as disparidades de grupo nos resultados. É um fato a respeito do qual devemos estar cientes ao pensar sobre desigualdades de renda e riqueza”. Sobre a genética poder estar envolvida entre os vários fatores explicativos incomodar Reeves, Clark pergunta: “Por que Reeves presume que seu nível de conforto é um bom teste de teorias sociais?”