Perguntei a um senador e três deputados o que eles acham de ganhar 15 vezes mais que você
Eduardo Girão, Deltan Dallagnol, Nikolas Ferreira e Ricardo Salles responderam se são eles que ganham demais ou nós que ganhamos de menos
O salário atual de um parlamentar brasileiro (R$ 39,2 mil) equivale a mais de 14 vezes a renda média habitual real do brasileiro, que está em R$ 2.737 por mês, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Se comparado ao salário mínimo real de dezembro (que representa o valor nominal descontadas as perdas com a inflação), a diferença é ainda maior: um deputado federal ou um senador ganha 32 vezes esse piso real.
Um ranking feito pela CNN, comparando os salários de parlamentares com o de cidadãos, mostra o Brasil no topo das disparidades entre os países analisados. Com um novo reajuste previsto para abril, os deputados e senadores brasileiros passarão a ganhar mais de 15 vezes a renda média do cidadão (ou 1400%). Na outra ponta do ranking, aparece a Noruega, onde um parlamentar ganha 30% a mais que a média dos cidadãos do país.
A Colômbia tem uma situação parecida com o Brasil (o salário do parlamentar equivale a 15,1 o da média da população). No Chile a proporção é de 7,2, seguido de México (6,7), Uruguai (6,4), Argentina (2,8), Estados Unidos (2,6) e Suécia (1,5).
Dias antes do Natal de 2022, os parlamentares federais aprovaram um novo aumento de salário para si próprios. O reajuste, que também foi concedido ao presidente, ao vice-presidente da República e a seus ministros, será feito em parcelas até 2026. Com a primeira parcela, em vigor desde o mês passado, senadores e deputados federais passaram a ganhar R$ 39,2 mil de salário mensal — antes, era R$ 33,7 mil. A partir de abril, o valor será de R$ 41,6 mil. No ano que vem, passa para R$ 42,9 mil; em 2025, para R$ 44,5 mil e, em 2026, chega a R$ 46,3 mil.
O ministro do trabalho Luiz Marinho disse no mês passado que o salário mínimo nominal ficará com o valor de R$ 1.302 no mínimo até maio, valor reajustado em dezembro passado. O reajuste foi de 7,43% em um ano. Já o aumento dos deputados será de 6% em apenas três meses, entre janeiro e abril.
Eu estive em um evento oferecido para os parlamentares pela organização não-governamental Ranking dos Políticos (da qual eu sou conselheiro, o que significa que eu a ajudo a avaliar a qualidade de projetos de lei) na manhã de quarta-feira passada em Brasília e perguntei a três deputados e um senador presentes se eles ganham demais ou é o brasileiro que ganha de menos. Confira as respostas.
Senador Eduardo Girão (Novo, Ceará)
Para o senador, a situação do Brasil é muito desigual. “Temos uma desigualdade abissal que precisamos equilibrar com geração de renda, geração de riqueza no país”, diz Girão. A solução que ele propõe é especialmente a de mercado: “saber promover empreendedores, não complicar a vida deles”, sobretudo no turismo e no agronegócio, onde ele vê um grande potencial para o país.
“Eu votei contra o aumento tanto para ministro do Supremo quanto para parlamentares”, informa. Para ele, o brasileiro ainda está se recuperando da pandemia, que deixou muitos desempregados, o que tornou o momento impróprio para o reajuste. “Confesso que não me sinto bem em ver esse aumento”, declara.
Ele informa que tem outras fontes de renda, que não julga os outros parlamentares, mas dá como exemplo de privilégio o plano saúde vitalício e o carro com motorista. “Num tempo que existe Uber?”, indaga Girão. “A maioria dos parlamentares passa dois dias por semana em Brasília, três no máximo, para que precisa de um carro à disposição, apartamento funcional?”, questiona.
“Chega uma hora que satura e causa até uma vergonha nos parlamentares de estar utilizando esse tipo de coisa. Eu procuro cortar na minha carne”, conclui, apontando que mandou uma carta ao presidente de Senado, em caráter irrevogável, para abrir mão “de todos esses privilégios”, e que usa pouco mais da metade da verba de gabinete, contratando 16 de mais de 50 assessores a que teria direito.
Deputado Deltan Dallagnol (Podemos, Paraná)
O ex-procurador da operação Lava Jato teve uma postura mais acadêmica. “Eu compararia a renda média per capita do brasileiro com a mundial”, sugeriu Dallagnol, prevendo que a do brasileiro será deficitária na comparação, e que a dos parlamentares brasileiros será superior. “Não tenho os dados aqui, na ponta da mão. Não gosto de falar sem ter dados, gosto de falar daquilo que já estudei”. Ele pediu mais tempo para dar uma resposta mais elaborada, mas uma assessora disse que a agenda dele estava muito cheia para responder em poucos dias, como eu pedi.
Se o leitor está interpretando a situação como evasiva do deputado, registro aqui que eu discordo. Acho que a postura de pesquisar mais é uma postura que mais parlamentares deveriam ter. Professores também. Não que os outros parlamentares que ofereceram respostas na hora não possam fazer o mesmo ou não tenham planos de fazer.
Deputado Nikolas Ferreira (PL, Minas Gerais)
Recordista de votos, com quase um milhão e meio de eleitores no pleito de 2022, Ferreira comenta que “a desigualdade aqui no Brasil se reflete em todas as áreas, principalmente na política”. Ele acredita que é necessário um momento ideal para a correção do problema. “No Japão, por exemplo, há uma desigualdade muito grande. Só que um ganha 10 mil, e o outro, 30 mil”, compara o deputado. Ele pensa que o crescimento é necessário e que os políticos têm “uma missão muito grande” nisso.
“A gente tem essa desigualdade até hoje por conta dos modelos passados de governo, onde não há liberdade, onde não há liberdade econômica”, reflete, acrescentando que, se as pessoas forem mais livres, conseguirão atingir seus objetivos e sonhos. “As mordomias têm que acabar. Na Câmara [Municipal] de Belo Horizonte [onde foi vereador] dei o exemplo: não tive o carro e o motorista, aqui na casa não pego o auxílio moradia”. Contudo, ele pensa que essa atitude tem um incentivo negativo para o parlamentar, pois o dinheiro economizado é distribuído entre os partidos: “basicamente, você está ali economizando munição para poder dar para o seu inimigo”.
Este último ponto parece uma crítica que eu já vi ao partido Novo. Cheguei a comentar com o Girão, quando ele me disse das economias do gabinete dele, que ele já tinha a postura do Novo antes de entrar no partido. Se o que um parlamentar economiza acaba sendo gasto por outro, esse é um problema das regras, que não permitem uma economia final disso para quem paga imposto. Não acho que essa postura desses parlamentares precisa mudar. No mais, todos os parlamentares com quem falei concordaram que há mordomias a cortar, mesmo quando responderam que é o brasileiro que ganha de menos, e não eles que ganham demais.
Deputado Ricardo Salles (PL, São Paulo)
Salles, ex-ministro do meio ambiente no governo Bolsonaro, pensa que a disparidade de renda entre os parlamentares e os cidadãos comuns se explica mais pela baixa renda dos últimos que pelo excesso na dos primeiros. “Você não trará para a vida pública brasileira pessoas de qualidade se não houver uma remuneração adequada”, diz o deputado. “Claro que isso não pode ser justificativa para supersalários ou abusos, mas, por outro lado, também não pode ser um elemento de demagogia, de dizer que o político em geral, que administradores, seja no Executivo ou no Legislativo, precisam ganhar mal. O problema é que o brasileiro médio tem renda baixa”.
Perguntado sobre a opinião popular de que a solução está em canetadas como o reajuste do salário mínimo, Salles responde que “não é por aí, a renda melhorará quanto mais desenvolvida for a economia, quanto mais prosperidade houver”. Na opinião do parlamentar, “o que eleva a renda das pessoas é a melhoria do ambiente de negócios. Canetada não resolve nada. Se canetada resolvesse, Cuba seria um país rico e desenvolvido”.
Apesar de eu ter posto Salles aqui no fim por ordem alfabética, foi com ele que eu passei mais tempo, 11 minutos. Também perguntei aos parlamentares sobre outros assuntos, como liberdade de expressão e os desmandos do judiciário, que Girão disse que está “esmagando” os outros poderes. Quando perguntei se Girão estava falando especificamente do Alexandre de Moraes, ele respondeu que não queria “personalizar” o problema, mas que era algo geral do judiciário. Talvez eu use mais das respostas dos quatro parlamentares em outros textos.
Crédito das fotos: Roque de Sá/Agência Senado e Luis Macedo/Pablo Valadares/Câmara dos Deputados.