John Searle e a sede por uma ciência da consciência
Na última quinta-feira, fui a uma palestra do John Searle. Filósofo famoso pelo experimento mental do "quarto chinês" ( http://en.wikipedia.org/wiki/Chinese_room ). Ele veio aqui para palestrar sobre a consciência, que ele acredita ser causada pelos processos neurobiológicos no cérebro (concordo), mas que não pode ser reduzida ontologicamente a isso (preciso entender melhor o que ele quer dizer com isso).
Em outras palavras, em se tratando de consciência e cérebro, ele dintingue reducionismo causal de reducionismo ontológico, crê no primeiro mas é cético quanto ao segundo. Comparou o estado da arte do conhecimento sobre a consciência com como se falava de seres vivos no século XVIII, e a controvérsia entre vitalistas e mecanicistas. Os vitalistas propunham que os seres vivos não poderiam ser apenas processos físico-químicos, e que tinham uma coisa chamada de "élan vital", irredutível à química. Como é dito em livros-texto, eventualmente os vitalistas perderam essa batalha, e hoje estamos perfeitamente seguros em dizer que os seres vivos são em sua intimidade um conjunto enorme de reações e processos bioquímicos, especialmente depois da descoberta do DNA e sua estrutura. No entanto, antes de muito apressadamente dar o troféu para mecanicistas, Searle sugeriu que o que entendemos como mecanismo hoje em dia nas ciências biológicas difere de forma importante do que era visto como tal naquela época, algo mais próximo do que Descartes entendia como "mecanismo".
E Descartes foi bem lembrado na palestra - para deixar claro que o dualismo não merece crédito e que "não devemos 'nos deitar' com Descartes". Mas outro inimigo da investigação da consciência é, diz Searle, a própria ortodoxia das neurociências, onde o fenômeno precisa ser investigado. Ele diz que há uma pressa em alegar coisas obscuras como "consciência é uma ilusão", ou tentativas gananciosas de reduzi-la a candidatos ruins como algoritmos ou programas de computador. A consciência é uma experiência subjetiva, mas alegar que por isso não pode ser investigada objetivamente é uma falácia da equivocação. Consciência é a experiência integral das nossas sensações, o que começa quando acordamos e cessa temporariamente quando voltamos a dormir. É falso alegar que está fora de um universo natural "causalmente fechado" - afinal, se eu comandar meus dedos a digitar esse texto, é isso o que eles fazem, então minha consciência está atuando causalmente no mundo. E é uma via contínua - se a consciência é causal sobre o mundo, ela é causada pelo mundo, especificamente por "essa coisa pegajosa aqui dentro", como disse Searle, apontando para o próprio crânio.
Foi uma palestra bem-humorada, alguma coisa no filósofo de cabelos brancos e camisa cor-de-rosa me lembrou Al Pacino. Mas o rigor intelectual não sofreu na mão do humor: quando uma curiosa da plateia perguntou sobre a "linguagem causal" que ele usou, ele disse algo como "fui impetuoso nesta palestra, mas admito que há ambiguidades que atropelei".
Searle me parece alguém com uma curiosidade sedenta para saber o que é a consciência em mais detalhe. É uma prova viva de que as barreiras entre ciência e filosofia são artificiais, e que frequentemente os cientistas são a parte mais cabeça-dura dessa cerca artificial. Mas não deixa essa curiosidade sedenta baixar sua guarda com o rigor intelectual que um problema complexo como esse demanda.
O que mais me fez pensar no Brasil foi uma coisa que ele disse en passant. (A citação a seguir é fidedigna ao que foi dito na palestra, mas não é verbatim.)
"É um constrangimento para a comunidade intelectual que o behaviorismo tenha durado tanto tempo. É claro que uma experiência não pode ser reduzida ao comportamento que acontece em resposta à experiência. Eu posso botar a mão no estômago e fazer uma careta convincente, e reproduzir todos os sinais comportamentais de estar sentindo dor, mesmo não sentindo. E uma pessoa sem sinais comportamentais de dor pode estar sentindo dor. Eu achei que poderíamos começar a investigar a consciência tomando uma parte dela, como a experiência consciente da dor. Foi só começar a ler as pesquisas sobre dor para notar como é uma coisa muito complicada, e que pode haver dor que está abaixo do limiar da consciência. Por coisas assim investigar honestamente a consciência é tão importante - saber sobre a consciência de seus pacientes é algo que preocupa pessoas da comunidade médica ao redor do mundo. Hoje drogamos as pessoas quase cegamente para resolver coisas como a depressão. A verdade é que mal sabemos o que estamos fazendo, porque somos ainda muito ignorantes sobre a consciência e a mente".
Então, em vez de começar a entender a consciência por uma coisa tão complicada quanto a dor, Searle sugere que comecemos por algo aparentemente mais simples, como a sede (disse enquanto bebia seu copo d'água). É inspirador ver um investigador sênior tão incansavelmente sedento por saber mais.