Confeiteiro que se recusou a fazer bolo para casamento gay é perseguido há uma década
Há um aspecto de crueldade na perseguição dos adeptos do identitarismo à resistência
Eu sou um viado pleno. Faço uso dos meus direitos, até de chamar a mim mesmo de “viado” (fui punido nas redes sociais por isso) e propor que essa palavra seja uma palavra normal, não um xingamento. Por que essa transmutação de pejorativo para neutro pode ser feita com “gay” e “queer”, mas não com nossos termos em português tupiniquim? Não importa quantas vezes eu repita isso, ainda há quem diga que eu uso “viado” porque sou um viado que odeia a si próprio. Se a palavra vai chegar a ser comum e neutra um dia eu não sei, mas eu sei que entre viados se chamar de viado é normal, mas com um tempero de comédia que serve como lembrete de que ainda não é tão normal assim. Então mantenho a esperança.
Eu me casei em 2014 em um cartório de Contagem. Me descasei no mesmo lugar em dezembro de 2021. Sou um cidadão tão pleno que já experimentei o sabor do casamento falido, que antes era uma exclusividade dos héteros. Não é maravilhoso? Mas não aprovo o modo como o meu direito de me casar com quem eu quero foi obtido: o ativismo judicial, um termo que não é ofensivo o suficiente para o que denota: uma gigantesca arrogância de juízes de pisar para fora da lei e atuar como “filósofos sociais” (como disse Sowell), guias da sociedade, como o flautista a guiar os ratos. Pois eu penso que no caso o flautista é o rato. Tanto que depois, nessa onda inaceitável de juscapricho, o STF usou uma estatística falsa de mortos por homofobia que eu derrubei com colegas em 2019 para justificar usurpar o papel do legislativo e criar a lei de criminalização da homofobia pela manobra intelectualmente desonesta de igualar homofobia ao racismo.
Fui xingado de “ultraliberal” pelo Jean Wyllys no Facebook há alguns anos. Ele estava resumindo a minha postura nos anos anteriores: quando Levy Fidélix fez o famoso comentário do “aparelho excretor não [se] reproduz” em um debate presidencial, fiquei contra a pressão dos ativistas para puni-lo sem uma lei que prevesse a punição. Quando Silas Malafaia disse que “é para cair de pau” na parada de orgulho LGBT de São Paulo por retratar gays como santos em cartazes, também fui contra a tentativa de puni-lo forçando a barra que “cair de pau” era uma incitação à violência. Finalmente, quando um confeiteiro foi punido por se recusar a fazer um bolo para um casamento de lésbicas, também fui contrário a esse autoritarismo. Tudo o que a diversidade humana pede em uma sociedade livre é que os indivíduos aprendam a ter tolerância. Ninguém tem o direito de exigir aceitação de ninguém, pois ninguém manda no coração de ninguém. As pessoas são livres para odiar, e querer criminalizar “discurso de ódio” é tirania e sonho de censura.
Não me arrependo de nenhum desses posicionamentos. Eu me orgulho de todos eles, creio que enriquecem a minha biografia, não são mancha nenhuma. Mancha é que membros de uma minoria que passou milênios sem liberdade de ser quem é se esqueçam do quanto a coerção é desumana, o quanto o autoritarismo é desagradável, o quanto a mordaça é desconfortável e passem a pregar censura e cadeia para os outros por suas meras opiniões. E sim, opiniões erradas e “odiosas” são opiniões, não me venham com manobra progressista de manipulação semântica, de jogo de palavras, porque eu conheço esse truque muito bem, pois eu já fui progressista.
Abaixo, uma tradução de uma matéria que ajuda a mostrar qual é o lado que tem razão neste debate.
Crueldade no tratamento do confeiteiro que se recusou a fazer bolo para casamento gay é proposital
Por Nate Hochman, na National Review, 30 de janeiro de 2023.
A revelação menos surpreendente a esta altura do milênio — embora seja uma que achemos importante de observar, registre-se — é que a Comissão de Direitos Civis do Colorado não é muito civilizada nem interessada em direitos, ao menos “direitos” como concebidos pelo fundador dos Estados Unidos James Madison e seus colegas. O caso de Jack Phillips é um exemplo ilustrativo.
Em 2012, Phillips, um padeiro cristão de Lakewood, Colorado, recusou-se a produzir um bolo personalizado para celebração de um casamento gay. A razão dele — que ele ainda era da opinião sobre o casamento professada pela maioria da humanidade pela maioria da história da civilização — ainda era refletida pela lei do estado na época, que ainda proibia o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O casal gay que pediu os serviços de Phillips, David Mullins e Charlie Craig, tinha o plano de se casar legalmente em Massachusetts, do outro lado do país, na costa leste, a 3.300 km de distância do Colorado. Mas eles não se impressionaram com as objeções religiosas de Phillips. “A nossa história trata de nós sendo recusados e discriminados por um negócio público”, disse Mullins ao New York Times.
Não era verdade: de acordo com autos de processo, Phillips informou a “Craig e Mullins que ele teria prazer em fazer e vender para eles quaisquer outras panificações”. Apesar disso, Craig e Mullins abriram uma queixa frente à Comissão de Direitos Civis do Colorado, o que resultou em um processo judicial, que por sua vez resultou em uma série de decisões judiciais ordenando que Phillips relaxe e asse o bolo. No curso disso, Phillips optou por parar de fazer bolos de casamento personalizados, o que ele alega que baixou seu faturamento em 40%. Por fim, em 2018, a Suprema Corte ficou do lado de Phillips — mas somente por fundamentos estritos de procedimento. Em vez de defender o significado claro das proteções à liberdade religiosa da Primeira Emenda, a decisão de sete votos contra dois foi a favor de Phillips apenas com base no fato de que membros da Comissão haviam expressado sentimentos anticristãos durante o processo adjudicante.
Em vez de “proteções fundamentais para o exercício e expressão religiosos tradicionais”, a decisão sobre a Masterpiece Cakeshop [nome da confeitaria] viu problema em “falhas de procedimento na adjudicação do estado da questão da [objeção de] consciência”, como notou [o repórter] Andy McCarthy na época. “Em suma, Phillips ganhou porque a contraditória Comissão de Direitos Civis do Colorado foi malvada com ele. A Corte não diz como a comissão deveria ter decidido na questão; meramente aconselha que, em casos futuros, os membros da comissão devem evitar ser tão indecorosos, tão explícitos em sua hostilidade aos cristãos irredutíveis”. Escrevendo para a maioria do tribunal, a opinião [do ministro] Anthony Kennedy estava eivada de ressalvas — a decisão dele contra a Comissão, estipulou ele, foi aquela “não importa o resultado de alguma polêmica futura envolvendo fatos similares a esses”.
As polêmicas futuras logo chegaram. A expressão pública de fé por Phillips colocou um alvo em suas costas, e a decisão apertada da Suprema Corte a seu favor teve o efeito duplo de incendiar mais ainda os ativistas enquanto, ao mesmo tempo, privava o padeiro de proteções determinantes e que firmassem precedentes contra os tumultos deles. Em 2017, “no mesmo dia em que a Suprema Corte concordou em ouvir o caso de Phillips, Autumn Scardina, uma ativista transgênero de Denver, ligou para a Masterpiece Cakeshop e pediu um bolo personalizado com cobertura azul e interior cor de rosa para simbolizar a transição de gênero”, contou David Harsanyi. Sardina supostamente era membro da Igreja de Satã, e os autos do processo alegaram que a ativista também havia buscado os serviços de Phillips para produzir imagens charmosas como um bolo para celebrar o aniversário de Satã, que teria “uma grande figura de Satã lambendo um vibrador preto de 23cm”, com a exigência que o vibrador fosse “um modelo funcional de verdade que possa ser ligado antes de apresentar o bolo”.
Phillips, é claro, recusou com educação o pedido de Scardina. Scardina, é claro, seguiu para prestar queixa à Comissão de Direitos Civis do Colorado. A comissão, é claro, decidiu contra Phillips. Em agosto de 2018, dois meses depois de sua vitória inicial no caso Masterpiece Cakeshop, Phillips estava de volta ao tribunal.
Na semana passada, uma turma do Tribunal de Recursos do Colorado manteve uma decisão anterior que exigia que Phillips assasse o bolo transgênero de Scardina. Sem surpresa, aqui — a mesma corte também havia mantido a ordem original do estado que exigia que Phillips assasse o bolo do casamento gay. O que tem de estar claro até aqui é que “direitos civis”, neste contexto, tratam mais de poder — exercido contra grupos desfavorecidos e a favor dos privilegiados — do que de qualquer concepção neutra de proteção legal. Até enquanto decidia contra Phillips, a Comissão manteve o direito de padeiros de se recusarem a fazer um bolo em formato de Bíblia com a mensagem “Homossexualidade é pecado grave. Levítico 18:2”. Esse duplo padrão é proposital, não acidental, no funcionamento dessas burocracias. Como notaram os editores da National Review hoje (30/01), o efeito prático do uso das leis antidiscriminação como arma pela esquerda “é exigir que os crentes se ajoelhem diante dos grupos identitários”.
De todo modo, agora que Phillips mais uma vez teve seus direitos negados pelo Tribunal de Recursos do Colorado, não está fora de questão que ele seja mandado mais uma vez para a Suprema Corte para, de novo, peticionar por suas liberdades constitucionais. É possível, dada a turma mais conservadora agora na Suprema Corte, que qualquer decisão futura poderia ser mais consistente com o que a Constituição de fato diz. Mas até neste caso, o que vai impedir a longa fila de Autumn Scardinas, com recursos quase ilimitados à sua disposição, de voltar a arrastar o pobre padeiro para a polêmica? Jack Phillips agora já conta uma década passada em litígio. Os breves alívios dados pelos tribunais, apesar de serem preferíveis ao oposto, pouco fazem para alterar a natureza fundamental da perseguição. A afirmação legal formalizada de seus direitos constitucionais não anula a mensagem clara dada pela Comissão de Direitos Civis do Colorado e seus aliados: Você pode ter esses direitos, mas o exercício deles virá com um preço alto.
Não foi raro ouvir celebrações que a decisão anterior no caso Masterpiece Cakeshop era uma vitória decisiva para a liberdade religiosa. “Você tem a liberdade assegurada pela lei a um grau maior que jamais foi assegurada pela lei na história dos Estados Unidos”, defendeu [o colunista conservador do New York Times] David French, em seu podcast, citando o sucesso do litígio da liberdade religiosa. O fato de que os cristãos sentem um persistente mau agouro a respeito de seu lugar neste país é evidência de que “o que estava elevando a ansiedade evangélica não era realmente a perda de liberdade”, concluiu ele. “Era a perda de poder”.
Se o caso de Jack Phillips é um indicativo, deveria estar claro agora que as duas coisas estão longe de ser mutuamente excludentes. Os inimigos da religião tradicional neste país já deixaram muito claro o que planejam fazer com seu poder. E eles permanecem inabaláveis diante do fato de que os tribunais, de vez em quando, ousam reconhecer que a Constituição ainda existe.
Teu texto me representa! Muito obrigado